NOTAS DE DIREÇÃO

 


DOCUMENTÁRIO DE FICÇÃO HISTÓRICA

 

“O FILHO DA TERRA” é um documentário histórico que protagoniza a dramatização de passagens da vida de Domingos José Martins, centrada, primordialmente, em sua participação ativa na Revolução Pernambucana de 1817. A visão ficcional do passado é sustentada por uma narrativa em primeira pessoa, na qual Domingos traduz emoções vividas por ele, e que ilustram o processo libertário republicano, através da leitura de documentos do Conselho do Governo Provisório e da Corte Portuguesa.

Associada ao plano narrativo da ficção histórica, o documentário propõe uma imersão no universo da criação artística, acompanhando de perto, o processo de concepção de uma estátua do herói capixaba, realizada pelo escultor Hippólito Alves.  Na intimidade de seu atelier, as visões subjetivas do artista permeiam a relação entre a arte e a construção simbólica de um herói nacional. É com Hippólito que ampliamos, ainda mais, nossa compreensão histórica do personagem de Domingos Martins no cenário nacional. 

Com a realização em paralelo destas duas narrativas, exibidas ao espectador durante a primeira metade do documentário, ganha vida a construção de um sólido arcabouço da memória a ser preservada, assim como a de uma exposição objetiva e concreta, da necessidade imperativa de recuperar a identidade do herói desconhecido.  Em decorrência do paralelismo entre história e arte, o documentário abre uma nova linha de reflexão, desta vez, em relação à ausência de uma memória nacional consistente, e à dramática inexistência de um justo reconhecimento dos movimentos libertários e independentistas no Brasil.

No bairro de Boa Vista do Sul, em Marataízes, terra onde nasceu Domingos José Martins, seus habitantes desconhecem a importância desse líder liberal e republicano, e ilustram a fisionomia de uma cidadania em puro estado de abandono. Um motorista de caminhão de cana-de-açúcar, uma cantora da Igreja Batista, um pescador aposentado, uma professora primária, uma boia-fria de roça de abacaxi e um velho marujo centenário, compõem a fisionomia coletiva dos filhos de Boa Vista do Sul. O cotidiano visual de cada um desses personagens, acompanhados de forma dinâmica e investigativa pelo documentário, serve de documento vivo para a construção de uma crônica social da região e de seus habitantes. O retrato de cada deles, personifica de forma urgente, a necessidade de recuperação do que tem sido esquecido e abandonado por nós, ao longo de nossa história.

O conceito temático e narrativo de “O FILHO DA TERRA”, desenvolvido na segunda metade do documentário, interpõe agora o compasso de espera pela morte, retratado através de reflexões e imagens vivenciadas por Domingos, em sua cela, antes de ser executado. À espera de seu fuzilamento, vemos Domingos conviver com uma angustia silenciosa, que também permeia a arquitetura de uma existência trágica e realista, na ausência de memória ancestral dos personagens de Boa Vista.  Ambos estão direcionados à consagração pública da figura de Domingos José Martins, celebrada durante a inauguração de sua estátua, na Praia Central de Marataízes.  

Ao final, o universo pessoal e intimista do herói, o olhar sensível do artista e as vivencias periféricas do homem comum de Boa Vista, são interpretados como referencias essenciais de uma interseção de diferentes pontos de vista. E assim, o documentário ficção “O FILHO DATERRA” alcança seu clímax, com uma resolução que se utiliza da morte de Domingos, e da inauguração de sua escultura monumental, como pontos de partida de uma nova consciência histórica da Revolução Pernambucana de 1817, e de seus líderes, heróis e mártires.

 

PAISAGEM VISUAL

A narrativa visual do documentário abrange três conceitos estéticos de imagem, que se complementam e se permeiam, ao longo de toda a sua estrutura do filme. No primeiro, ganha destaque a construção de um ambiente heroico, desenhado com a ajuda de representações cenográficas austeras, onde prevalecem os tons quentes e contrastados, realçados por velas, tochas e lampiões. Uma caracterização minimalista de seus personagens históricos, e das diferentes tipologias étnicas e sociais do final do século 18, e início do 19, fazem parte de uma composição de aspecto por vezes aristocrático, por vezes degradado e próximo ao flagelo.  No marco das referências visuais da trama histórica estão o Recife, as matas da Capitania de Pernambuco, Vitória, Londres, Lisboa e as falésias da Praia dos Quartéis, em Boa Vista.

No segundo conceito estético da imagem, temos a construção de um espaço mágico-místico, em torno do atelier de escultura de Hippólito Alves, no Distrito de Araguaia, região sul do Município de Marechal Floriano. As diferentes fases de criação e de construção da estátua de Domingos Martins, ganham a prevalência de enquadramentos intimistas, onde artista e escultura se complementam, em composições com pouca profundida de campo, e uma iluminação capaz de provocar uma imersão sensorial no processo artístico de Hippólito.

Por último, a composição dos personagens de Boa Vista, documentados em seus ambientes cotidianos, segue uma interpretação realista da imagem, que se impõe em cenários que oscilam entre o bucólico, o sagrado, o periférico, o popular e o kitsch. Cada um dos espaços estéticos de Boa Vista, protagoniza as vivências e a essência humana de seus personagens, flagrados em estado natural, dentro de uma linguagem documental que prioriza o foco investigativo. Câmera e objeto se movimentam pelo espaço, com um distanciamento consagrado ao íntimo e ao privado.  É em Boa Vista, que as composições assumem um recorte plástico e cromático, com amplas visões em perspectiva, e horizontes expandidos através de planos gerais e passeios com vistas áreas da região.  

 

PAISAGEM SONORA

A importância do ambiente sonoro em “O FILHO DA TERRA” pode ser traduzida por sua potente trilha sonora, assinada pelo compositor, arranjador e instrumentista José Eduardo Costa e Silva.  Destacado como dos grandes nomes do atual cenário musical capixaba, o músico deverá traduzir emoções seculares, e sensações humanas e universais, integradas à trajetória heroica da vida de Domingos José Martins.  Os ambientes musicais compostos para o filme darão ritmo dramático ao movimento libertário da Revolução de 1817, e aos ambientes clássicos e populares do universo político e social do Recife, ao longo dos séculos 18 e 19.  Na paisagem conturbada e inquietante da república pernambucana, a trilha sonora assinada por José Eduardo, dará destaque, em primeiro plano, a ambientes marciais, solenes, melancólicos e trágicos, com arranjos concebidos nos mesmos moldes poéticos de sua belíssima Sonata para Alaúde e Monocórdio Nº 1.

Ainda como fator integrante do ambiente sonoro, a pontuação de ritmos, melodias e cânticos populares, estarão em conexão com o sagrado e o divino, ampliando a caráter subjetivo das ambientações históricas e artísticas do documentário. O Maracatu de Baque Solto e o Maracatu de Baque Virado marcam o ritmo da convivência entre as culturas africana, indígena, portuguesa, e os mazombos. Conduzidos pela voz sedutora da cantora capixaba Lígia Soares, pretendemos conduzir o espectador a experimentar territórios com forte influência emocional, em vivencias do personagem de Domingo Martins, e de sua história de amor com Maria Teodora.

Por fim, como definição do ambiente incidental, a proposta do documentário é desenvolver indícios e pontuações diegéticas, desassociadas de uma referência concreta com a realidade histórica, artística e social de seus personagens. As camadas de ruídos e sons de objetos, de ações humanas, de ambientes interiores e exteriores, e de elementos da natureza, ou a própria recriação do silencio, farão parte de uma colagem de intenções, direcionadas à recriação do tempo passado e da memória ancestral. Desta forma, o espaço diegético ficará contraposto ao espaço extradiegético, ocupado pelo personagem de Domingos José Martins, assumindo em primeira pessoa a narração do documentário.

 

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